quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

PORIR

Estou a exatos dois meses da entrada na idade dos privilégios. Não enfrentarei filas de nenhuma ordem e circunstância. Terei preferência junto a inválidos e gestantes. Viajarei de graça nos coletivos urbanos. Jovens e maduros se levantarão de seus assentos para cedê-los para mim e eu, solenemente, agradecerei a gentileza.
Serei tratado por senhor.
O corpo seguirá sua rota gradual e contínua de decadência. Carne, líquidos, músculos e ossos sucumbirão, por mais que eu me proponha cuidados. A bisnaga de carne será esterco. Não é dela que faço agora questão, porque será como será. A sua data de validade está guardada a sete mil chaves pelo senhor dos mistérios.
Ocuparei, e cada vez mais, do espírito, aqui entendido como a minha proposta do que me resta ser. Proponho-me a alegria como ideologia e prática. O caminho pela velhice será trilhado com o vigor e interesse de infância.
Assim, aos meus, peço que quando tornar-me um fardo, porque o serei, internem-me em um orfanato, jamais em um asilo. Vou ao encontro de vínculos com crianças, não necessariamente daquelas de até dez anos de idade, mas daquelas cujo compromisso é o brincar até a exaustão e com irreverência.
Tranquilizem-se, familiares, credores e clientes, pois ainda saberei comportar-me formalmente como adulto responsável. Só digo que não abrirei mão da alegria e da irreverência.
Não farei nenhuma concessão à tristeza. Olharei com absoluto desdém tudo o que iniba o meu desejo de estar bem comigo e meu único compromisso será o de aprender a tirar o melhor e a maior graça da vida.
Pagarei em espécie e no preço que for o direito de essencialmente sentir-me agraciado. Vladimir Maiakowiski, o poeta russo, disse em um dos seus poemas: “Há no mundo um homem feliz. Acho que no Brasil.”
A mim não interessará nenhum estímulo e de qualquer natureza que não me enderece à alegria. Saberei entender as perdas, inclusive as irreparáveis. Seria desnatural se assim não o fosse.
A nenhuma lei imposta, por mecanismos que forem, inclusive os da sedução perversa, submeterei. Dez anos mais e eu serei considerado inimputável, embora esteja presente que o caminho da alegria jamais compactua com o do crime.
Pagarei minhas contas, andarei com vestimentas apropriadas, dirigirei na mão de direção, reduzirei a velocidade quando próximo às barreiras eletrônicas, continuarei usando garfos e facas. Farei minha higiene pessoal e tomarei banho todos os dias.
Aos setenta anos escreverei e publicarei o meu livro de trezentos e setenta e sete páginas. O título?        . Aguarde. Não tenha pressa. Você receberá um exemplar especial.
Aos oitenta quero estar louco. Absolutamente louco. Cantinflas e Chaplin serão minhas referências para manifestação cultural e política. Talvez eu já esteja pronto para um segundo livro. Este de quatrocentos e quinze páginas.
Aos noventa, meus netos já serão adultos. Próximo dali estarei pronto. Investi meus melhores anos em décadas de alegria.
Quanto me for, dirão: ele era um sujeito engraçado.

Por enquanto, até breve.

PS> O título foi por sugestão do meu genro, pai do meu neto que está porvir.
IRREVERÊNCIA

ALEGRIA

3 comentários:

  1. kakakakakkakaka !
    Apesar do tom inicialmente "sombrio", o final foi espetacularmente hilário!

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  2. To gostando de ver o vovô treinando aí na foto acima!!!!POR RIR.. POR IR... POR AÍ... Adorei!!! bjaoo

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  3. Legal ! rsrsrsrs. Mas há que se poupar em um quase tudo, para rir muiiito na "idade dos privilégios".

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