sábado, 5 de novembro de 2011

ZUEIRA

Concluímos a reforma do apartamento. Estamos na fase do só falta. Tapar duas falhas no rodapé da sala, fixar a porta do banheiro da suíte, colocar a bancada do tanque na área de serviços. Falta ainda colocar cortinas em dois quartos. Adornos e peças de decoração ainda faltam. Talvez mais uma prateleira na estante do escritório (idéia à posteriori do Lé). Ah, falta ainda também o vidro da bancada do escritório. Tapetes. Uma campainha, talvez.
Foram três meses de pó e zueira, mas passado o estresse, tá ficando legal, estética e funcionalmente. Alguns milhares de reais depois eu me pergunto: cacildabecker, prá quê tirar tudo do lugar, derrubar parede, se estava razoável, limpo, adequado? Vivo do mesmo jeito depois da reforma, talvez um pouco mais cansado nesses dias imediatos à conclusão. Mas ficou legal, oras pombas! Sim, mas que diabos de idéia é essa de fazer o que está legal ficar legal. Tudo bem, mais legal.
Vou encontrar uma razão. O legal não está no resultado aparente do que se via antes e se vê agora pós-reforma. A curtição está no processo de passar pelo que fica e pelo o que sai. Ficou muito pouca coisa do passado, inclusive recente. Peças de vestuário, praticamente todos os móveis, aparelhos de som, coisas e tal dançaram. Foram dadas aos outros ou jogadas na camionete dentro de sacolas e levadas para Santa Luzia, lá são mais apropriadas. Algumas foram passadas às pessoas que nos ajudam no sítio, outras avaliadas melhor foram mesmo é parar no lixo. E estavam todas organizadas e alocadas em nosso apartamento. Há anos.
Tive que rever documentos, papéis, contratos, boletos, propostas de trabalho, relatórios, apostilas, textos. O que rasguei de papel não é mensurável, toneladas. Carambolas, porque os guardava, afinal? Achei brindes extraordinariamente úteis como um alicate suíço, troço de louco.
Cada objeto, documento, papel, cada seleção de destino, uma viagem. Pude lembrar-me das minhas primeiras transparências, alguém se lembra desse recurso pedagógico? Diagnósticos de organizações, informações sigilosas que fariam tremer altas cúpulas, assinaturas de poderosos falecidos, organogramas exalando intrigas, maledicências; cartas e correspondências internas de pessoas que mudaram radicalmente sua trajetória. Pô, cara, ele fez mesmo isso?
Retratos, folhetos, rodinhas de malas. Roteiros turísticos, mapa de Roma da época de Nero, pedras da vesícula, farpa do corrimão de madeira da varanda dentro de um vidrinho com álcool. Exames de fezes e urina. Raio X da clavícula. Espermograma após vasectomia, isso faz 32 anos. Manuais de aparelhos domésticos: enceradeira, batedeira de bolo, secadora de roupa, toca fitas e gravador cassete, todos rigorosamente guardados em sacos plásticos. Declarações de Imposto de Renda desde 1980 com os seus devidos comprovantes em anexo além dos disquetes correspondentes. Vai que descobrem...
O legal é por quê?
A vida impregna de velho, de passado, de obsoleto, de inútil, de desnecessário, de feio. A vida convida e instiga ao novo, ao diferente, ao atuar(l), ao agora belo, aceito, atrativo, desejável. A vida é cruel com o desejo de paralisia e morte. A vida cobra vida. A vida deixa a morte.
É apenas uma questão de escolha.
Ela está falando agora que no ano que vem, vamos reformar o sítio de Santa Luzia.
É foda. No duplo sentido.
Até breve.

6 comentários:

  1. Ótimo texto pensando pela via do simbólico... Kkkk... E ontem, brincando com o Tales, com seus 3 anos de idade, ele falava e repetia caindo no chão: Oh vida cruel!

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  2. É escolhas... tudo se resume a elas... A reforma é um caminho mesmo para transformar e para reorganizar as ideias para a proxima!Ela mesmo disse que o desejo esta posto, e que agora vem o trabalho...

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  3. Foda nos dois sentidos ,,,,
    interessante ....

    Como disse o Alann , do Deus da Carnificina ,,me explique ... desenvolva ....

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  4. oi tio!
    tambem estou reformando o ap... mas esse eu ainda nao moro nele... mas mesmo assim faz ZUEIRA do mesmo jeito....
    karla

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  5. Agulho, querido! Viu como as lembranças se escondem nos objetos que guardamos para "um dia"? O pior é que, aos sessentas, a maioria delas nos trazem mais desconforto que alegrias... Bj enorme. Que a vida nos seja mais leve, sem entulhos e sempre em novas obras. Para melhor!Clarice

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  6. Agulhô, o sítio está ótimo, não precisa de reforma alguma. Estive lá no feriado do dia 2, enquanto você provavelmente estava na zoeira. Quem sabe da próxima vez te encontro lá. Só uma coisa pode dar tanto trabalho quanto uma reforma. "Festa de Casamento". Da próxima vez a gente se encontra para eu te contar uns "causos" interessantes. Abraço, Serginho

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