quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

REI

   


Final dos anos 70. Comprei a revista Playboy. A desculpa que dei em casa era que me interessava pela entrevista contemplada naquela edição.

Folheei as primeiras páginas, cheguei à entrevista.

Antes de iniciar a leitura lembrei-me de um filme que havia visto sobre o entrevistado. Na primeira cena há o encontro da mãe com uma cartomante, poucos dias depois dele nascer. A vidente declara: “Este menino nasceu pra ser rei.”

Aquele sujeito estava predestinado.

Foi com este espírito que li a entrevista de Pelé, que estava despedindo-se da carreira. A leitura foi uma experiência marcante e, por diversas vezes, usei dela para ilustrar minhas aulas para executivos em escolas de negócios.

Pelé foi barbaramente caçado pelos defensores do time de Portugal na Copa de 1966, sempre da linha da cintura para baixo. Dondinho, ex-jogador de futebol, pai de Pelé, reiteradamente pedia ao filho que tomasse muito cuidado para ele não quebrar as pernas.

Pelé deixou a partida, carregado em maca, seriamente contundido e ali começamos a perder a chance de sermos tri.

Na entrevista ele relata que, para Copa de 1970, depois dos coletivos com bola, ia sozinho para a pista de atletismo. Trocava as chuteiras por sapatilhas de corredores de saltos em obstáculos e ele próprio montava-os e, por inúmeras vezes, fazia todo o percurso da pista.

Lendo a entrevista lembrei-me de filmes do Canal 100, documentários que, à época, antecediam os filmes nos cinemas. As câmeras registravam as cenas de jogos na base do gramado. Assisti, em algumas delas, Pelé saltando as foiçadas que recebia dos adversários.

Quando dos preparativos para a Copa de 1970, alguns jornalistas esportivos questionavam a convocação dele sobre a alegação de que o seu estilo estava ultrapassado. Era muito clássico e o futebol moderno era de velocidade.

Na entrevista, Pelé relata que depois dos saltos de obstáculos ele trocava a sapatilha pela específica para fundistas de cem metros rasos. E fazia inúmeros “tiros” na pista, sem plateia.

Assisti a um jogo no Mineirão da Seleção Brasileira. E vi Pelé ultrapassar seus adversários feito um bólido que me fez fazer um comentário com meu pai: “Pai, ele vai subir as arquibancadas?”

Ao final da entrevista, Pelé foi perguntado o que faria depois de abandonar o futebol. Pelé responde: “Vou aprender judô.” Surpreso, o jornalista indaga: “Você pretende ser campeão de judô?” Pelé, singelo, arremata: “Não, eu quero aprender a cair.”

Eleito o melhor atleta do século de todas as modalidades do esporte por centenas de jornalistas especializados do mundo inteiro, ali naquela entrevista, ele me fez refletir.

Nasce-se ou tornar-se?

Rei.  


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