sábado, 5 de dezembro de 2020

EPITÁFIO

 


Amigos queridos privilegiaram-me com comentários instigantes e complementares no último post, pelo que agradeço imensamente.

Em alguns o retorno é de que o texto os levou a refletir. Sou marcado por esta palavra. Refletir é pensar o já pensado, só que em “outro lugar”.

Contamos o tempo para que, o instante seguinte, possamos fazê-lo diferente. E diferente deveria significar para melhor. A gente sabe que não é bem assim. Não aproveitamos o tempo tanto quanto deveríamos para aquilo que acabaria se configurando como o melhor.

Extremei no texto o colapso do tempo, que é a morte. A parada da contagem. O desligamento definitivo do cronômetro. O nunca mais.

Estive em reuniões de trabalho presencial na quarta-feira e soube lá que um dos participantes estava com suspeita de ter contraído o vírus o que veio se confirmar anteontem.

Sou obrigado a confessar que a possibilidade de eu ter sido infectado modifica substancialmente o meu olhar para a questão. “Não vai acontecer comigo” é uma das expectativas mais frustradas a que estamos expostos.

Aquilo que é provável quando se torna iminente, nos expõe ao óbvio. E é o óbvio que nos escandaliza, como queria Nelson Rodrigues.

Até que passe o período da eventual encubação para se confirmar ou não a positividade em um inevitável exame, aguça em mim a reflexão.

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o Sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o Sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar

 

O acaso vai me proteger é uma das afirmações mais tolas.

Acaba em Epitáfio. Ainda que, também, poema belíssimo dos Titãs.


Até breve, espero.


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