sábado, 13 de outubro de 2018

PARALELOVINTE




“Não ando de carro blindado porque eu tenho medo.”

Quem me disse essa frase foi Pedro, atendente da recepção do Hotel da Baixa, em Lisboa, cidade de onde me despedi ontem, pela manhã, com um misto de tristeza e satisfação.

Tristeza por deixar o Velho Mundo, que sempre me arrebata e, satisfação, por tê-lo aproveitado durante os últimos quinze dias de maneira intensa e profunda.

A frase dita por Pedro, na verdade, é de Ricardo Araújo Pereira, um português que, para o atendente, é inteligentíssimo “apesar de humorista”.

Passeei, literalmente, por Amsterdam e arredores, Porto, Guimarães, Régua, Tua, Aveiro e Lisboa. Tropeçamos, a cada quarteirão, em patrimônios culturais inestimáveis da Humanidade. Tesouros datados de mais de dois mil anos antes de Cristo até o presente. É de tirar o fôlego.

A Casa Museu de Anne Frank, o Rijskmuseum, o Distrito da Luz Vermelha (com a exposição de suas garotas tristes), o Museu Hermitage, o Museu de Van Gogh, os inúmeros canais, em Amsterdam.

A Ponte Dom Luis I, o Museu de Arqueologia da cidade, a Vila Nova de Gaia, a Estação (de comboios) São Bento, a Casa da Música (caramba!), a Livraria Lello (quiquiéaquilo!), caves e caves e caves, e naturalmente o Rio Douro, em Porto. A vila de pescadores em Aveiro com suas casas pintadas com listas coloridas de um alegre sem tamanho.

Em Lisboa, o Museu da Fundação Calouse Kulbenkian, a Casa Museu do poeta Fernando Pessoa (ai, meu gisus), a Casa do Bico do Nobel José Saramago, o Museu do Fado.

Além de todos os “sítios” citados, as cidades em si são de uma beleza estonteante que, a mim, encantam e me remetem a reflexões.

Talvez por isto eu goste tanto de estar por estas bandas. O Velho Mundo.

Na última noite em Lisboa, para coroar o privilégio de ter vivido esses dias, assisti (de camarote) no grande teatro do Centro Cultural de Belém, ao show impagável do fadista Camané. Fui ouvi-lo movido por um documentário curto que assisti no Museu do Fado. Diferentes fadistas consagrados pelo mundo, entre eles Carminho, Mariza e muitos outros e, para o meu espanto e admiração, Ivan Lins, tecem considerações sobre aquilo que mais caracteriza a esse país a que devemos tanto e, com toda certeza, nos deve em maior e certa medida.

Entre uma canção e outra, Camané disse que quando jovem o criticavam por ter escolhido algo que está por desaparecer. E ele respondia àqueles que o criticavam com a própria razão revolucionária de ser do Fado: a resistência a ser distinto.

Algo muito próprio, particular, visceral, que por nenhum outro se identifica, que o marca. Ivan Lins, por sua vez, no documentário diz que fez inúmeras tentativas de interpretar composições de Fado feitas por ele, mas jamais conseguiu como seus amigos portugueses.


Ao longo de toda viagem, no entanto, não consegui deixar de pensar o Brasil, nossas atuais circunstâncias. Esses dias valeram-me, sobretudo para pensar o momento trágico por que passamos.

“Estamos num tempo a que chamamos de pensamento único, embora pareça que se aproxima muito perigosamente de um pensamento zero.”  A frase dita por Saramago em entrevista ao jornal La Jornada, México, em 10 de outubro de 1998, confere uma atualidade brasileira acachapante.

Não há nada a pensar senão no fosso profundo em que nos metemos entre, supostamente, dois polos que se digladiam vitimados por uma surdez demoníaca.

Em Portugal nomeiam o nosso segundo turno eleitoral como “segunda volta”. Triste e emblemática constatação. Estamos a decidir para onde “voltarmos”.

“A Humanidade nunca foi educada para a paz, mas sim para a guerra e para o conflito. O outro é sempre potencialmente o inimigo. Levamos milhões e milhares de anos nisto.” Saramago ao El Diário Vasco. Embora, por enquanto única, a morte por assassinato do artista baiano, é simbólica.

Parece adentrarmos a miséria do obscurantismo, violentados pela cegueira da verdade única.

NÃO! Há que se dizer NÃO.

“Há que introduzir um não para enfrentar o sim, que é o consenso hipócrita em que mais ou menos estamos a viver.” Saramago à Revista Três, Montevidéu, em 1988.

A realidade não nos obriga a escolher entre dois turnos, duas voltas, duas aberrações.

“Eu creio que estamos necessitados, efetivamente, de uma insurreição. Sim, uma insurreição, uma insurreição ÉTICA, mas não no sentido corrente, moralizador, porque no fundo seria ir pelo mesmo caminho. Eu diria, antes, uma Ética da responsabilidade.” Saramago, Revista Magna Tierra, Guatemala.

Covarde, por ser originalmente romântica, minha disposição era de não comparecer também ao segundo turno ou segunda volta. Mas vou votar. Eu preciso assumir o dever de estar vivo. E o faço dizendo um não rotundo a tudo isto o que está posto.

Há uma obra exposta no Museu da Fundação Caloute Kulbenkian em Lisboa que me fascinou porque deu conta: “Alternativas para um plano de fuga” (fotos), feita pelo artista Jaime Nolasco usando a porta de seu ateliê.

“Eu acredito e respeito as crenças de todo o mundo, mas gostaria que as crenças de todo o mundo fossem capazes de respeitar as crenças de todo o mundo.” Saramago, Magna Tierra, Guatemala.

Estou NULO. Permitam-me fazer o meu “fado”.


Até breve.



OBSERVAÇÃO: Não gosto, mas vou dizer, o título remete à José Saramago que disse as "cousas" aqui citadas em 1998.

2 comentários:

  1. Agulhô, tenho muitas dúvidas se o votar será caminho para o voltar. Além do mais, "esse caminho que eu mesmo escolhi é tão fácil seguir, por não ter aonde ir", disse o Raul Seixas. E como defende Eduardo Galeano: "A utopia é um horizonte. A gente caminha dez passos em sua direção, o horizonte recua dez...". Para quê buscar a utopia então? Para caminharmos". Abraço amigo e de admirador.

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  2. São sempre as dúvidas que nos remetem à esclarecimentos. Muito obrigado, Julinho.

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