domingo, 22 de janeiro de 2017

CANSEIRA



Pretinha levou de volta para Lages, na quarta-feira (18), Liz e Valentin. Antes passou por Floripa onde fica até hoje junto com Cláudio para aproveitarem praia.

Não pude leva-la ao aeroporto. Viajei quarta e quinta-feira a trabalho, o que me incomodou um pouco. Voltei da viagem mudo com uma forte inflamação na garganta. Na sexta-feira de 10:00h às 13:00h participei, com dificuldade, de reunião com cliente.

À tardinha vim pra Santa Luzia. Dei carona para tia d’Ela até a sua casa. Marlene estava um pouco aflita com o que estava acontecendo naquele dia. Com a posse de Trump ela teme que um de seus filhos, que vive há muitos anos na América, possa encontrar dificuldades de permanência e trabalho.

-“Já estou me vendo com os meus dois filhos cinquentões e família morando comigo no meu apartamento.” Disse Marlene referindo-se também ao outro (mora em BH), engenheiro dono de uma pequena empresa de projetos, que há vários meses não é demandada.

Na sexta-feira à noite liguei para Vladimir perguntando se viria no sábado com Fabiana trazendo Antônio e Helena. “Não pai, a gente quer que você descanse de netos.”

Sem netos, vou me cansar com que então?

Assisti o discurso de posse de Trump: “A América primeiro. Negros, mulatos e brancos têm sangue vermelho de patriotas. Americano compra produtos fabricados por americanos. Americano emprega americanos.” Síntese aterrorizante.

Trump parece anunciar que a ordem mundial que nasceu após 1945 e criou uma harmonia estreita entre as duas margens do Atlântico poderá sucumbir a seus repetidos ataques.

O isolacionismo para começar. Desde 1945, republicanos e democratas seguem a mesma linha: Europa e EUA estão engajados num único caminho e edificando uma “ordem liberal”. Trump parece decidido a reformular o mapa geopolítico mundial. Ele acredita que a Rússia tem o “direito de controle”, quase de “proteção” sobre a antiga Europa soviética (Ucrânia e países bálticos), além de achar que a Otan está obsoleta e ameaça se desligar dela.

“América em primeiro lugar” é o slogan que, para os europeus, significa que a Europa ficará entregue a si mesma, abandonada. Devolver à América sua grandeza exigirá poupar a nação dos exaustivos encargos que ela assumiu após 1945. E esse é o temor da Europa: que os EUA a deixem sozinha. E o pior, em estado de fragmentação.

Uma segunda brecha no edifício construído após 1945: o protecionismo. Após a guerra, todos os presidentes defenderam o dogma, quase sagrado, do livre-comércio. Trump poderá se desligar dessa estrutura que atualmente é a OMC.

Outro instrumento da longa cumplicidade entre americanos e europeus desde 1945: a União Europeia. Trump não aprecia essa UE “que está a serviço da Alemanha”. Além disso, não está preocupado se a Europa está unida ou não. E ele gosta dos que não gostam da Europa.

O divórcio do sistema mundial que nasceu após 1945, a indiferença em relação à Europa, a rejeição do livre-comércio, sua cortesia com relação à Rússia, tudo isso é tão radical que as pessoas se perguntam se são apenas provocações que se corrigirão quando Trump cair na realidade.

Mas então examinamos os colaboradores escolhidos por Trump, um bando de bilionários, reacionários e exaltados. Tudo indica que a ordem mundial que reina desde 1945 corre até o risco de ser desfeita nos próximos meses. Surge, então, uma outra questão: é verdade que essa ordem parece hoje ineficiente. Mas a nova ordem em gestação será mais justa, mais harmoniosa, mais generosa que a antiga?

Finalzinho da tarde do sábado marejei os meus olhos por outras razões: assisti Maria Bethânia, no Canal Brasil. Bethânia interpreta as canções com sua habitual entrega, saboreando os versos.

Carta de Amor, produção do Canal Brasil em parceria com a Biscoito Fino, seu disco mais recente – Oásis de Bethânia, de 2012 – serviu de base para a escolha do repertório. Comparecem: Chico Buarque, Paulo César Pinheiro, Gonzaguinha, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Alceu Valença. 

As lágrimas são por força de uma pergunta: “Meu Deus, o que será o mundo sem esses?”.

À noite, depois de passar pelos noticiários, assisti no Cult A Conexão Francesa.

La French refere-se ao nome da rede de tráfico com base em Marselha, metrópole portuária do Mediterrâneo, que abasteceu os Estados Unidos com toneladas de heroína no começo dos anos 1970, elevando exponencialmente a criminalidade em cidades como Nova York, seu principal destino.

Nascido em Marselha, o diretor Cédric Jimenez cresceu ouvindo histórias dos tempos em que sua cidade foi o que seria na década seguinte a Medellín de Pablo Escobar, traficante que fez os EUA mergulharem em cocaína: uma terra de ninguém dominada por mafiosos que ordenavam assassinatos de desafetos nas ruas à luz do dia e controlavam tanto a economia local quanto a polícia e a justiça.

Dramática coincidência ou programação mais do que intencional, o filme baseado em fatos reais, portanto, narra a trajetória de um Juiz da Divisão Contra o Crime Organizado que é assassinado pela máfia.

Em seguida, sem sono, ainda assisti Até que a casa caia.

Apesar de separados, Rodrigo e Ciça continuam a viver sob o mesmo teto, um minúsculo apartamento de três quartos em Brasília, por razões financeiras.

O arranjo pouco usual coloca o casal em situações de conflito e faz Mateus, filho adolescente do casal, alimentar a esperança de que os pais reatem.

Rodrigo é professor de um curso de alfabetização de adultos, mantido por uma ajuda do governo que corre risco de corte. Para salvá-lo, ele pede ajuda a um deputado.

Figura ridícula, dá aulas com um nariz de palhaço e aceita, depois de breve relutância, participar de uma rede de maracutaias envolvendo o tal deputado e um grupo de empresários.

Ciça também é marcada pelo escracho. É mostrada como uma mulher fútil, mística de pacotilha que trabalha em casa fazendo consultas astrológicas para clientes tolos.

O delicado equilíbrio familiar é abalado com a irrupção de um quarto personagem: Leila, a secretária do deputado, que Rodrigo começa a namorar e que vai praticamente morar no apartamento dele.

Pois é.

A sequência alucinante de fatos devastadores que devastam da cena o imediatamente anterior. As cabeças cortadas nos pátios de presídios, a queda do avião com o Ministro, a posse de Trump. Até que a casa caia.

No meio disso tudo: Marilda Castanha, minha vizinha, esposa de Nelson Cruz ambos papa-prêmios nacionais de literatura e ilustração publicou no FB notícia vinda diretamente da Coréia do Sul. Pelo belíssimo trabalho do livro "Sem Fim", no qual homem e arvore "conversam" por imagens, Marilda acabou de ser anunciada vencedora na categoria "Purple Island" do Nami Concours. 

Acho que agora vou seguir a proposta de Marilda no Sem fim. Vou lá prá baixo conversar com minhas árvores.

Semana que vem, me canso com meus netos.



Até breve.

2 comentários:

  1. Agulho, feliz demais de ter sido citada por você, no seu blog. Na verdade acho que "conversando" com as árvores é que nos tornamos mesmo mais humanos. Principalmente agora, entre trumps e tantos outros...

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    1. Querida, você sabe que meu blog é algo assim como uma conversa ao pé de uma frondosa mangueira. Palavras à sombra de significados. Muito obrigado pelo comentário.

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