quarta-feira, 4 de junho de 2025

MARCOS

 



Escrever já esteve para mim como um passatempo.

Passou.

Agora escrevo por descuido.

Assim, de repente, uma recaída neural.

É que nada que escrevo é digno de nota, inclusive sifrãonica. E por outra, nada que circula no mercado a mim interessa. Se bem que não, até por isto mesmo ganha o meu interesse.

De por quê?

Tipo, nada causa. Tudo é nuvem. Passageira. De crimes hediondos a modas rebornicas. Não duram semanas.

O signo da efemeridade domina a espécie.

Aquela que registra o tempo de a.C/d.C. Antes do celular. Depois do celular.

Corte. TikTok.

Potencializado pelo artificialismo da inteligência. Algo rítmica.

Alucinante.

Houve um tempo de controle desta loucura, por outra: Mãe, Política e Religião.

Mãe, o Partido mais Conservador (aqui com duplo sentido) foi trabalhar fora. A Política mafiousse, não há Cosmes e Damiãos nas ruas. O Pecado foi pro saco, ninguém aqui quer que a vida seja eterna.

Hoje, o Supremo (adoro esta folia), julga o marco da infernet.

Mais um, ou outro, pico-na-veia não vai mudar em nada o delírio.

Estamos todos.

Reborns.



sexta-feira, 23 de maio de 2025

TERRA


“Uma imagem vale mais do que mil palavras.”

Nenhuma obra escreveu e, jamais, escreverá tanto sobre a tragédia humana do que aquela fotografada por Sebastião Salgado.

A denúncia que faz seu extenso acervo explicita que somos a raça mais cruel do planeta.

É hora de homenageá-lo assistindo ao filme de Win Wenders, indicado ao Oscar, O Sal da Terra.

Win Wenders nos dá um soco na boca do estômago.

É impossível não se abalar com aquilo retratado na Etiópia, em Mali, em Serra Pelada e principalmente em Ruanda e na Bósnia, um "inferno na terra” conflitos mais hediondos da história recente da humanidade.

Lembrei-me de quando assisti, no cinema, ao documentário. Deixei a sala de exibição com um gosto amargo na garganta. A miséria humana mais do que revolta, nos humilha a todos e a cada um em particular.

No caminho de volta para casa, como se quisesse amenizar a dor, me vi mergulhado na letra singela de Beto Guedes, outro mineiro, da canção homônima do filme.

Era o verso da fotografia de Sebastião.

 

Anda!
Quero te dizer nenhum segredo
Falo nesse chão, da nossa casa
Vem que tá na hora de arrumar...

Tempo!
Quero viver mais duzentos anos
Quero não ferir meu semelhante
Nem por isso quero me ferir

Vamos precisar de todo mundo
Pra banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor
A felicidade mora ao lado
E quem não é tolo pode ver...

A paz na Terra, amor
O pé na terra
A paz na Terra, amor
O sal da...

Terra!
És o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro
Tu que és a nave nossa irmã

Canta!
Leva tua vida em harmonia
E nos alimenta com seus frutos
Tu que és do homem, a maçã...

Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois...

Deixa nascer, o amor
Deixa fluir, o amor
Deixa crescer, o amor
Deixa viver, o amor
O sal da Terra.

 

Hoje morri um pouco.

 

 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

ATELIÊ

 



Mario Bartolotto, “amigo virtual”, disse em entrevista que começou a se interessar por teatro quando assistiu a uma peça com Pedro Cardoso, então em início de carreira.

Na plateia, uma meia dúzia de gatos pingados. Mário ficou maravilhado com o que considerou um super espetáculo e, já ali, se perguntava por que algo tão importante e de tamanha qualidade interessava a pouquíssimas pessoas.

Luiz Armando Bagolin, outro “amigo virtual”, editou aqui artigo publicado na Folha de São Paulo sobre Andy Warhol. Aquele da frase: “No futuro todo mundo terá 15 minutos de fama.”.

Warhol provavelmente acharia tudo isto que está na ordem do dia – o identitarismo, a horda de influencers digitais, reality shows, etc – muito chato e enfadonho, mais até do que as pessoas tediosas, falseadas de vida, mas cheias de glamour, dinheiro e fama de sua própria época.

Sua frase expunha, com fina ironia, como ele viu ser fácil alcançar momentaneamente notoriedade em um mundo onde tudo é apropriável, vendável, onde as pessoas se tornam mercadorias, se oferecendo como produtos dotados de algum interesse material – ou, como dizemos hoje, - monetizável.

Warhol aceitou a condição da arte como instrumento de autoengano – como performance efêmera, na qual a exposição da vida do próprio artista contava mais do que aquilo que ele produzia, pois tinha agora um modo de valoração, dependente das demandas de uma sociedade orientada ao consumo e de suas panfletagens enxameadas pelos meios de comunicação de massa.

A arte contemporânea dependia então de uma agenda que ditava os novos modelos de comportamento diante da escalada do liberalismo econômico, do feminismo, da fetichização, da vulgaridade, do nacionalismo protecionista, do avanço incontrolável daquilo que foi batizado como indústria cultural: a cultura do lazer como estratégia de acumulação capitalista. O tipo de artista enclausurado em seu ateliê, compondo uma obra que exprimia sua potência subjetiva, não fazia mais sentido algum.

A arte de Warhol não expressava nada além da vacuidade do próprio sistema que preenche as coisas apenas para dotá-las de uma mercê: da sutileza simbólica do poder do dinheiro.

Ele já identificava os movimentos de comunicação de massa como instrumentos de manipulação. “Todo mundo se parece e age do mesmo jeito e cada vez mais é assim...”

Warhol apropriou-se do conteúdo do comércio – bens e celebridades -, mas, ao mesmo tempo, desmontou as formas institucionais de circulação destes produtos. A frontalidade da figura e uso de cores sólidas e vivas servem para lembrar que o que se apresenta ali é apenas a imagem de sua ausência.

Ele sempre deu pistas de que o que pensava era tão comum e desinteressante quanto uma lata de sopa – aliás, como é todo individuo humano visto à distância, ausente de relações. Mas, por detrás do alter ego aparentemente feio e impassível, havia uma pessoa frágil e muito influenciável que acreditava na eternidade da arte e em seu poder de ultrapassar as vicissitudes do tempo no qual foi criada, assim como das idiossincrasias de seu criador.

Em entrevista, Warhol declarou: “Se quiser saber tudo sobre Andy Warhol, olhe para a superfície... e lá estou eu. Não há nada por trás.”.

Pedro Cardoso fez inúmeros sucessos de público e crítica no besteirol, lotando salas e salas de teatros.

Mário Bartolotto também, até que ele se desafiou: escreveria uma peça a qual compareceriam apenas alguns gatos pingados. E que fosse um puta espetáculo.

Tudo isto para eu poder dizer que, de alguma forma, fui inspirado a nunca mais escrever.

Para gatos.

Pingados.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

MAÇÃS

 



Nem isto é verdade.

Isto, o que você acabou de ler. Não é verdade. Nem esta afirmação também e a próxima não será verdade.

Nada é verdade. Inclusive esta.

A verdade não há, embora cogite-se dela. Em algum lugar, qualquer.

Ali, perto, próximo de quem a vê, ainda que com seus próprios filtros, portanto, enviesada. Particular. Própria. Sofismável.

A verdade, portanto, é mentira.

Esta que é a verdade.

Com a proliferação de vieses, internáuticos, descensurados, o mundo pirou os cabeçotes.

A cabeça dança.

Poderes e podres poderes, e poderes santos e outros nem tanto, podem. Verdadiar, como quiserem.

A arte, portanto, é vadiar.

Especialmente a escrita, esta declinante forma de se expressar.

Me provocaram hoje sobre o escrever. A quem interessar possa?

A verdade.

Na foto, clicada supostamente por um ser humano, em meu sítio (há evidências cartoriais que atestam a propriedade), deu maçãs, sujeitas, após colheita, a verificação se natural ou artificial).