sábado, 7 de março de 2020

CONTÁGIOS




Durante o carnaval fui privilegiado pela convivência plena com os netos. Os quatro, inclusive aqueles que vivem distante, lá em Lages/SC, que preferimos chamar de longes.

Lelê, a menorzinha dos quatro, contraiu um vírus. Gripou. Com febre e o corpinho ruim ela perdeu muito de sua serelepidade, mas ainda assim manteve sei jeitinho Lelê de ser.

Numa das noites, na verdade madrugada, a febre subiu e a avó achou por bem de dar um banho mais para frio. Jamais vou esquecer Lelê saindo do box do banheiro enroladinha na toalha, com a toca na cabeça e com seu sorrisinho maroto:

- “Qui frio”!!!!

Desde sempre a adversidade compôs a realidade. E como em tudo, cada um de nós reuniu, ao longo da vida, mecanismos próprios ou importados de outros para fazer face.

A Nova Era trazida pela entrada no Terceiro Milênio nos expõe, globalmente, a desafios imensos e paradoxais. O desenvolvimento da espécie para equacionar problemas e empreender soluções é magnífico e nos surpreende a cada dia, especialmente nas parafernálias tecnológicas de larga utilização, da biomassa à biotransmutação.

Não somos mais os mesmos seres da Era Passada, aquela que se esgotou no fim do último século, do segundo milênio. Somos outro bicho e em tudo.

Há muita turbulência nisso e em todos os campos: da política à administração, nas artes, nos comportamentos, nas ciências, no clima, nas crenças e valores.

Somos outro bicho e em tudo.

A esperança é que o corpo ainda reaja através de elementos ancestrais. A febre, por exemplo, santo alarme de biosintomas.

Não é possível que negligenciemos a oportunidade da febre trazida pelo corona, essa ducha contundente de risco global, assim como todas as guerras em curso, a incapacidade de reconhecer a exaustão da depredação da biodiversidade (ampla), o fosso abissal de riquezas, a fragilidade das relações, o ódio imperante em seus mais diversos matizes.

O que mais temo é que a gente se trate de mais um vírus e não aprendamos nada com o martírio que foi vivê-lo, como holocaustos, escravaturas, ditaduras, comunismos, terrorismos.

Não precisávamos mais de nenhum sinal que explicitasse quanto temos nos distanciado uns dos outros, quanto temos reduzido o contato, o convívio, a aceitação.

- “Qui frio”!!!



Até breve.

4 comentários:

  1. O sinal da distância é mais doloroso quando o motivo nao é aquele estranho a nossa vontade, mas está em nós, nas nossas condutas ...adorei , "qui frio"

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    1. Leitura profunda, como sempre. Os pecados são todos meus. Eu que adorei você ter estado aqui.

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  2. Mestre....
    Uma provocação: viver as fantasias da imaginação ou a realidade das observações? É possível distinguir um momento do outro? Precisamos destas duas formas de viver?
    Beijos do eterno aprendiz.

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    1. Julin, meu terno e querido sobrinho, viver no mundo da fantasia pode ser uma delícia até trombar na realidade. Viver no mundo real pode ser monótono até o despertar de um belo e instigante sonho.
      "Tudo o que está no plano da realidade já foi sonho um dia".
      Beijo.

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