segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

MARCO




Marcos, talvez por isto seu nome, abriu a sequência familiar. Foi o primeiro a chegar e o primeiro a sair. Vlad, meu filho, quem me deu a notícia. Disse-me que Grácia, a sexta, estava tentando falar comigo e não conseguia.

Ele se foi como nossa mãe: de um colapso fulminante, privilégio reservado somente aos melhores. Quando falei com Franciane, minha sobrinha, ela confirmou.

- É tio, eu estava falando exatamente isto. Papai se foi como um passarinho e como vovó. Só os bons se vão assim, né?

Tempão que eu não falava com Marcos, mais de duas décadas ou mais. Ele viveu sempre na dele, ensimesmado no seu mundo pequeno, recolhido como um bichinho acuado.

No novembro passado ele fez oitenta anos, nisso diferiu de nossa mãe, no que diz respeito à ida. Ela se foi com setenta e três do mesmo jeito que ele. Assim, vapt!

Franciane disse-me que ele estava conversando com Bárbara, a esposa, e do nada parou. Tudo.

Continuará vivendo em mim. Marcos não ocupava um espaço, para mim sempre foi um vazio, nunca o vi fazer mal algum a ninguém e nem opinar sobre qualquer assunto.

Na juventude ele tinha apelido de Risadinha. Na alegria e na tristeza. Levou a vida, essa que ainda está comigo, assim: sorrindo. Só rindo.

Notícia que tinha dele, mais recente, era de que ele criava galinhas e com elas conversava efusivamente. Imagino os segredos que deveria ter com elas através do silêncio.

Franciane levou o pai e a mãe para morarem com ela em Anápolis, Goiás, logo depois que Chico, seu único irmão, faleceu. E isso já faz para mais de duas décadas ou mais.

Grácia, a sexta, me perguntou se eu iria para o descimento. Num primeiro momento achei que deveria, depois desisti porque só iria para ficar dentro de determinados conformes. O corpo se vai. Marcos está em mim enquanto eu viver. Quem morrerá sou eu e, comigo, todos.

Inadvertidamente fui eu quem deu a notícia para Lourdinha, a segunda, a que tem o coração tamanho de um trem e só fala aos gritos, pela descendência espanhola, eu acho.

- Ô seu danado, que não fala com ninguém, por que cê tá me ligando? Morro de saudade docê, tá tudo bem?

- Ainda não chegou para você a notícia?

- Quê notícia?

- Agora nós somos nove.

Marcos e Bárbara são padrinhos de batismo de Pretinha, minha filha. Quando falei com ela do acontecimento Pretinha me disse que se lembrava das bonequinhas de pano com que a madrinha a presenteava na infância. Bárbara é uma eximia bordadeira e costureira.

Em fim.

Grácia foi com o marido Josevan e Lourdinha para Anápolis ontem à noite. Depois disso não soube de mais nada. E prefiro que continue assim.

Dando uma de Risadinha.


Até breve.


Um comentário:

  1. Quando fiquei sabendo do falecimento do tio Marcos procurei a Franciane. Por telefone não foi possível falar então acabei deixando uma mensagem para ela relatando como me recordava dele. Foram poucas lembranças pois a minha convivência com eles (Tia Bárbara inclusive) foi ainda muito criança. O interessante é que eu escrevi exatamente sobre a "calma", a "serenidade", o "recolhimento", o "silêncio" que ele deixou marcado em mim.
    Assim ele vive eternamente em nossos pensamentos e recordações, sabiamente! Bela vida!!!

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