sábado, 22 de junho de 2019

MIRAGEM












 “A vertigem é uma sensação de perder onde as coisas começam e onde elas terminam, onde você está em relação ao mundo e onde o mundo está em relação a você.”

Petra Costa

“A Netflix está mudando drasticamente o mercado de documentários no mundo, de uma forma muito positiva. Em que outro momento um documentário brasileiro poderia ser visto em 190 países ao mesmo tempo? É algo revolucionário, e eu me sinto muito privilegiada, especialmente, porque o tema da crise da democracia dialoga com pessoas da Ásia e da Indonésia, da Austrália até a Áustria e ao Uruguai. Acredito que não poderia ter uma plataforma melhor para esse filme.”
“Esta é uma história que vai, pelo aspecto vertiginoso mesmo, abrindo buracos pelo labirinto da história do Brasil”.
“Todos os aspectos dessa crise geraram um verdadeiro trauma para muitas pessoas. O filme é uma tentativa de falar sobre esse trauma. Como dizem, e o próprio Freud diz, o trauma é uma cicatriz na psique que gera uma incapacidade de significar as coisas, que perde sua habilidade de criar significados por conta da agressividade com que o evento invade sua psique. Então o primeiro passo para recriar um trauma é recontar, por isso ele é uma tentativa de recontar essa história.”
“Você pode concordar com essa leitura ou não, o que é esperado. É a minha perspectiva, eu não tento ser categórica ou falar a verdade, de forma alguma. A história é muito recente, por isso está aberta a todos os seus espectros de interpretações. Mas esse movimento de escuta é o primeiro passo para curar a polarização doentia em que a gente se encontra. O meu maior aprendizado ao fazer esse filme foi me colocar nesse lugar de escuta, e muitas questões que eu tinha foram abaladas neste processo. Espero que, quem sabe, eu possa também estar atenta para isso.”
Estes são trechos de entrevista com a cineasta Petra Costa que acaba de lançar seu emblemático documentário Democracia em Vertigem, pela Netflix.
A diretora, roteirista e produtora levanta o ponto de encontro do seu processo de construção: “Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade” e completa “eu achava que em nossos 30 e poucos anos estaríamos pisando em terra firme”.
Esta ponte é soldada intensamente durante toda a narrativa. Desde momentos em que a diretora menciona ser de uma família privilegiada, uma vez que o seu avô é um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez (envolvida no esquema de corrupção do Mensalão), assim como os seus pais tornaram-se refugiados políticos durantes os anos de ditadura militar, e o nome “Petra” lhe foi dado em homenagem a um amigo dos seus progenitores, morto durante o período.
Com uma sequência de vídeos, a história do documentário é montada. Uma seleção de mão cheia que apresenta desde vídeos caseiros até entrevistas exclusivas com políticos brasileiros e a mãe da narradora. Petra utiliza-se de exemplos fáceis para explicar o caos: sua família e ela mesma, sempre apontando, quando necessário, seus posicionamentos.
Acho pouco provável que o filme ocupe a cena do debate nacional. Ele é uma obra aberta. E, como tal, difícil para ser assimilado pela boa maioria de espectadores que se darão ao trabalho e, mesmo o interesse, de assisti-lo.
Reside aqui nosso drama maior: não há espírito crítico. Talvez na Ásia, ou quem sabe, na Oceania.
Fui buscar em Gil, quando ele foi perguntado sobre “vil situação” em sua letra Ok Ok Ok: “Parece consensual a percepção de que o ‘espírito do tempo’ se manifesta, cada vez mais como um ‘espírito de porco’ (tomando emprestada uma expressão popular pejorativa). As coisas vão de mal a pior, a descrença e o desânimo se abatem sobre a multidão, as soluções se transformam em novos problemas mais complexos, a tentação regressiva ganha cada vez mais espaço e a queixa reverbera altissonante”.
“A tarefa historicamente atribuída aos formadores de opinião (intelectuais, comunicadores, artistas e tais) de produzirem uma crítica consistente da situação, fica ampliada exponencialmente. Somam-se a esses setores os milhões de anônimos, num jogo alucinante de opiniões e contra-opiniões nas redes sociais, como se houvéssemos chegado, afinal, à ‘Grande Babel’.”

É que eu ando meio triste e precisava saber das razões.
De novo, o Gil me acode: “Quanto mais aprendo, menos sei. Tenho que me comprazer com a alternância natural entre o conforto do silêncio e do sono e o cansaço da vigília e da espera. A cada dia, uma agonia. A cada noite, um sonho”.

Até breve.

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