terça-feira, 17 de julho de 2018

FORO




Teve uma vez que eu fui. Acho que foi uma única. Não teve outra. Se bem que, lembrando melhor, foram mais de uma sim. Duas ou três, talvez. Na verdade, mesmo que tivessem ocorrido mais de tantas vezes, foi como se tivesse sido única.

Estou certo que sempre chovia, uma chuva fina e constante, daquelas que encharcam a terra sem destruir plantações. Isso contribuía, e muito, para o contexto. Havia certa tristeza no ar, a cor cinza assim cabia emoldurando a cena.

Outra circunstância presente é de que sempre aconteceu à noite. Depois das vinte e duas e quarenta, nunca antes. O mais interessante é que ninguém, nem eu mesmo, combinávamos o horário e sabem-se lá cargas d’água porque, sempre aconteceu depois daquele horário, nunca antes.

Eu nunca cheguei primeiro, por isto acho sempre que foi uma única vez. Porque também, os outros que chegavam depois de mim, sempre entravam na mesma ordem. Todos os quinze, primeiro o Herasmo e, por último, Antenor.

Deles todos, de muito, conhecia o nome. Nada mais, tudo o mais fui supondo. Idade, descendência, estado civil, opção sexual, formação, estes tipos de caracteres. Assim, nunca perguntei nada a nenhum deles. Ia ouvindo um ao outro e fui decorando os nomes. Só.

Duas mulheres participavam também. Uma senhora de uns oitenta e poucos anos e outra, jovem, de uns trinta e poucos. Zenaide e Karla. Ambas descendentes de estrangeiros. Não soube distinguir a origem. Mas cada uma a sua maneira tinha traços diferentes dos nossos.

A coisa durava exatos 185 minutos, nunca mais e nunca menos. Fosse o que acontecesse durante, era batata. Do início até terminar podia ver no relógio digital com frações de segundos. Na pinta.

Nunca soube por que.

Ao terminar todos saiam sem se despedir e nenhum acompanhado. Todos sozinhos, alguns de cabeça baixa. Na rua, idem. Ninguém se comunicava. E sempre os destinos de cada um pareciam o mesmo. Alguns seguiam a rua defronte, outros desciam a ladeira e outros, subiam em direção à praça.

Uma das mulheres, a mais jovem, subia a ladeira. A mais velha seguia a rua defronte. Melhor, pois era uma rua plana, de calçadas largas e bem iluminada. A única pessoa do grupo que encontrava já no meio do quarteirão um homem grisalho que vinha busca-la. Suponho ser seu filho, ou um irmão mais novo.

Eu descia a ladeira, pegava a primeira rua à esquerda, andava uns seiscentos e trinta metros e depois virava à direita, na Rua Ramos Delgado, onde ficava o Bar do Quincas, aberto até as duas da madrugada.

Quincas era um filhote de português adestrado pela senhora sua esposa, homem bom, bigodes espessos e sempre com seu mesmo chinelo de dedos com as tiras emendadas com arames finos. Uma tristeza.

- Fala aí, Quincas!

- O de sempre, gajo?

- Serve que é o mesmo...

- Tá vindo de onde?

Nunca disse.

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