quarta-feira, 9 de maio de 2018

TREM





Recebi hoje uma provocação dilacerante.

O que é amor intenso?

De onde vem a ideia de alguém que, por cargas d’água que sejam, possa acreditar que eu tenha algo a dizer sobre.

Fosse poeta, comporia, porque a poesia pode tudo.

Fosse escritor, narraria, no plano do intelecto tudo racionalizaria ainda que em romance, ficção mesmo que absurda.

Fosse filósofo, deliraria, viajando na maionese.

Ou fosse eu, quem sou, um sujeito qualquer que não consegue viver sem estar na condição proposta pela questão formulada.

Eu sei lá o que é isto. Eu só sei que, em não sabendo, sinto. E de tal sorte fundo que tenho para mim que só pode ser da minha natureza, disso que suponho, andam tentando dizer de humano.

A coisa toma conta assim dos pensamentos, das interpretações, dessas faculdades todas, mas é no estômago, creio, que ela se dá por inteiro.

Visceralmente quando na ausência, uns trem que dizem nomeado só em português não lusitano: saudade.

A falta do ser objeto dói. Outro trem que para você explicar tem que recorrer à poesia, à prosa, à filosofia. Melhor não. Sentir, que é de bão.

Na presença, aí é que o bicho cresce. Começa pela via dos olhos, dão uns estremecimentos das musculaturas, uns tremeleques, uns incômodos, umas ardências, que eu até ousaria dizer de uma gostosura assim indizível.

Aí se se põem as mãos, meus deuses, elétrons puros e incandescentes. Mãos nas mãos, mãos nos cabelos, no rosto e aí imagine meu desavisado leitor, imagine por onde andarão essas mãos todas e com que brandura, cuidado e acuidade.

Quando a boca é convidada, caramba (!), proferir palavras alvoraçantes, dessas que pelo som embalam. Os lábios em lábios, em rostos, em pescoços, em tantos quantos forem os sentires, os pedires em gemidos quase que de sempre.

Depois, ou não necessariamente nessa ordem, o estômago. Deve derivar daí a ideia de que a tradução se dá conta: “Eu quero te comer!”.

Apropriar-se do outro, engoli-lo, possuí-lo, toma-lo para si, antropofagicamente. Comer-se do outro.

Daí em diante é tudo que se deve mesmo proibir desde sempre. Perigo imanente de sentir a maior expressão do que é, essencialmente, humano: o prazer.

Assim: inteiro, entregue, fundo, de propósito, intenso.

A Psicanálise nomeia como pulsão.

De vida.


Até breve.

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