quinta-feira, 27 de maio de 2021

NÉBULA

 

“Ser revolucionário hoje é ser capaz de criar uma identidade própria. Diante da massa, do engodo, do embuste como ser seletivo e escolher-se no universo de possibilidades”. (Adriana Varela)

“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”. (Hans J. Morgenthau)

 

Arendt, filósofa judia alemã, convidada a cobrir o julgamento do “criminoso do século” Adolf Eichmann, produziu um relatório controverso que levou a inúmeros protestos semitas inclusive de seus amigos próximos que romperam com ela laços de amizade de anos.

Para Arendt, Eichmann era um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar o bem do mal. Não era um monstro, mas sim uma pessoa normal, medíocre, cujo grande defeito de caráter era não pensar por si próprio, o que o transformara em um joguete, um palhaço que seguia a lei – independentemente de suas consequências.

Hannah Arendt não estava desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito mais grave. O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido. 

O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros, mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais. 

“A Banalidade do Mal”, livro escrito por Arent a partir de suas reflexões tiradas do julgamento de Eichmann, parece ainda intensamente presente em nossa sociedade cada vez mais tomada por burocratas e por pessoas que dominam a arte de não pensar. É preciso tomar cuidado. Fantoches podem levar milhões à morte. 

Pode até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, são homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abre espaço para o pior que há em muitos de nós. 

O que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como algumas (e não poucas) pessoas são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal. 

“Cada período é, ao mesmo tempo, um jardim e um cemitério, onde vêm coexistir os produtos exuberantes da seiva renovada, as plantas enfezadas que não querem morrer, a ossaria petrificada de gerações perdidas”. (Antônio Candido) 

Talvez por isto, neste momento, eu esteja tão centrado nos jardins de minha morada e em meus netos. 

Residem ali outros brotares. Ou não haverá esperança?


Até breve.

 


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