sábado, 29 de dezembro de 2018

DESCORPORAR




Claudinho, ontem pela manhã, trouxe das compras duas ou três caixas de cervejas. A intenção é de consumi-las todas ao longo de até o 02.

Perguntou ao Vlad sobre a marca, se o cunhado, conhecedor de cervejas artesanais, gostava de Petra.
Vlad disse que não conhecia, se eu ouvi bem.

Já à noite perguntei ao meu genro, Claudinho, se Petra é Latim. Era mais para zoar com o sujeito que levou minha filha para Lages com meus netos. Claro que eu sabia, se bem que não com convicção, Petra é Grego.

- É, Agulhô, é em latinha, mas eu acho que tem em garrafa também.

Pouco mais tarde Pretinha, minha filha que o sujeito levou para Lages com meus netos, irmã de Vlad e Bernardo, meus outros dois filhos, foi quem me perguntou por que eu não escrevo mais.

Acho que é por isto.

Escrevo em Grego e o consumidor quer em latinha.

Bem já quase meia-noite, tomei um banho e debrucei sobre o Um Sopro de Vida, de Clarice, a Lispector.

Numa hora qualquer do texto ela inscreve: “Vou escrever um livro tão fechado que não dará passagem senão para alguns. Ou talvez eu não escreva nunca mais”.

Tipo do livro Grego. Vou precisar de uns seis meses para sorvê-lo todo em cada linha.

Minha vida me quer escritor e então escrevo. Não é por escolha: é íntima ordem de comando.

Não fui eu que escrevi a frase de cima. É “dita” pelo personagem Autor do livro de Clarice, a quem ela deu sopro de vida. E, como autor, ele se pergunta: “Eu inventei Ângela porque eu preciso me inventar?” Ângela, eu acho, é personagem de Autor.

Escrever pode tornar a pessoa louca. Não se queira.

A primeira frase de cima é do livro de Clarice.É de Clarice, do Autor (personagem de Clarice(?) ou de Ângela (personagem de Autor)?

O pior plágio é o que se faz de si mesmo.

Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma liberdade, mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.

Acessei o caderno Cultura do Estadão e lá li um poema:

BARGANHA

O quê? Dar pelo meu ouro
O teu saco de farinha?
Te pergunto, meu tesouro:
Na bundada não vai ninha?

Deixei Pretinha sem resposta, mas parece que é por isto. Ser imaterial, para ser livre.

Pedra.


Até breve.

2 comentários:

  1. Feliz 2019, saúde, e o desejo que nunca tires o olhar do teclado, onde você se tornou único e imbatível. Um abraço , professor.

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  2. Muito obrigado! Um grande e afetuoso abraço.

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