domingo, 20 de novembro de 2016

BESTA




Assisti, e somente ontem, ao filme de Alejandro González Iñarritu. Deveria tê-lo visto antes, quando o Vlad há meses atrás vindo do cinema fez referências surpreendentes sobre a fita.

O Regresso é um desses filmes que fazem um tributo ao cinema. Todas as artes são elementos para a expressão humana, mas a Sétima, quando bem utilizada explicita mais que todas as outras, o humano.

Talvez pela presença da linguagem dinâmica de imagens e sons, o cinema “diz” muito mais se comparado a outras tantas manifestações artísticas.

Eu não gostei do filme, eu adorei, fiquei fascinado pelas quase duas horas e meia de projeção e me perguntei ao longo de todo o seu transcorrer como alguém pode, em tão pouco tempo, dizer tanto.

Iñarritu, co-roteirista e diretor, nos propõe múltiplas interpretações, desde as mais banais, como aquelas veiculadas pela divulgação comercial que o filme trata da superação humana diante das adversidades patrocinadas pela natureza, até outras um pouco mais sofisticadas.

A mim, por que fascinou?

O filme é carregado de imagens, que se retiradas de cada frame da película e colocadas em postais ou cartazes poderiam ser usadas, por exemplo, em agências de turismo para comercializarem o Belo que a Natureza proporciona. Iñarritu dá um show de locações paradisíacas, com verdes de florestas, alvoreceres e poentes, águas cristalinas correntes.

Esse me pareceu ser o primeiro fio condutor da narrativa. A natureza paradisíaca, mesmo que, em alguns momentos, em suas dimensões mais adversas à sobrevivência humana.

Dentro deste ambiente, deste paraíso, o Homem, sua história e sua cultura. Do primitivo ao moderno, (a trama se dá no fim do século XIX), fazendo-nos pensar sobre a convivência humana durante séculos.

Glass, personagem de Leonardo de Caprio que lhe deu o Oscar tão esperado, protagoniza duas cenas antológicas: a primeira, no início do filme, quando se depara com um urso que protege as suas crias e a outra quando, ele próprio, se coloca sobre o corpo do assassino de seu filho.

Em outra cena um silvícola, que teve sua família dizimada por tribo inimiga, e que socorre e trata de Glass pós-ataque do urso, aparece enforcado pendente de uma árvore. Preso ao corpo uma tabuleta: “Todos somos selvagens.” 

Quem o enforcou foi um grupo de “comerciantes de peles” “franceses”. Glass ao tentar roubar um cavalo se depara com um dos líderes deste grupo arrastando uma índia para estupra-la. Glass avança sobre o francês e liberta a mulher deixando com ela uma faca, para acabar o serviço. Fora da cena ouve-se a índia dizer: “vou cortar as suas bolas, infeliz!”.

O filme remeteu-me a isto. A tragédia civilizatória da Humanidade e as suas inúmeras facetas de crueldade selvagem. O filme coloca a besta diante do homem e faz com que nos perguntemos: quem é a besta?

Diante do paraíso, há inclusive cena de uma igreja em ruínas com fragmentos de pintura na parede do altar do Cristo crucificado, transcorre a saga humana.

Estuprada, a “nativa”, não diz vou cortar o elemento do estupro, mas aquele onde reside o elemento fecundante do “europeu” bárbaro.

A penúltima cena nos deixa matéria para reflexão eterna: uma imagem congelada da maravilhosa natureza e, abaixo da imagem, um rastro de sangue humano.

No desenrolar do filme, algumas tomadas são tão próximas da cena que sangue de batalhas respinga na lente da câmera ou o vapor da respiração ofegante do protagonista a embaça. Para dizer que no que se passa ali, todos nós estamos presentes.

A tradução, para o português, do nome do protagonista, diz de nossa fragilidade.



Até breve.

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