Mario Bartolotto, “amigo
virtual”, disse em entrevista que começou a se interessar por teatro quando assistiu
a uma peça com Pedro Cardoso, então em início de carreira.
Na plateia, uma meia dúzia de
gatos pingados. Mário ficou maravilhado com o que considerou um super
espetáculo e, já ali, se perguntava por que algo tão importante e de tamanha
qualidade interessava a pouquíssimas pessoas.
Luiz Armando Bagolin, outro “amigo
virtual”, editou aqui artigo publicado na Folha de São Paulo sobre Andy Warhol.
Aquele da frase: “No futuro todo mundo terá 15 minutos de fama.”.
Warhol provavelmente acharia
tudo isto que está na ordem do dia – o identitarismo, a horda de influencers
digitais, reality shows, etc – muito chato e enfadonho, mais até do que as
pessoas tediosas, falseadas de vida, mas cheias de glamour, dinheiro e fama de
sua própria época.
Sua frase expunha, com fina
ironia, como ele viu ser fácil alcançar momentaneamente notoriedade em um mundo
onde tudo é apropriável, vendável, onde as pessoas se tornam mercadorias, se
oferecendo como produtos dotados de algum interesse material – ou, como dizemos
hoje, - monetizável.
Warhol aceitou a condição da
arte como instrumento de autoengano – como performance efêmera, na qual a
exposição da vida do próprio artista contava mais do que aquilo que ele
produzia, pois tinha agora um modo de valoração, dependente das demandas de uma
sociedade orientada ao consumo e de suas panfletagens enxameadas pelos meios de
comunicação de massa.
A arte contemporânea dependia
então de uma agenda que ditava os novos modelos de comportamento diante da
escalada do liberalismo econômico, do feminismo, da fetichização, da
vulgaridade, do nacionalismo protecionista, do avanço incontrolável daquilo que
foi batizado como indústria cultural: a cultura do lazer como estratégia de
acumulação capitalista. O tipo de artista enclausurado em seu ateliê, compondo
uma obra que exprimia sua potência subjetiva, não fazia mais sentido algum.
A arte de Warhol não
expressava nada além da vacuidade do próprio sistema que preenche as coisas
apenas para dotá-las de uma mercê: da sutileza simbólica do poder do dinheiro.
Ele já identificava os
movimentos de comunicação de massa como instrumentos de manipulação. “Todo
mundo se parece e age do mesmo jeito e cada vez mais é assim...”
Warhol apropriou-se do
conteúdo do comércio – bens e celebridades -, mas, ao mesmo tempo, desmontou as
formas institucionais de circulação destes produtos. A frontalidade da figura e
uso de cores sólidas e vivas servem para lembrar que o que se apresenta ali é
apenas a imagem de sua ausência.
Ele sempre deu pistas de que o
que pensava era tão comum e desinteressante quanto uma lata de sopa – aliás,
como é todo individuo humano visto à distância, ausente de relações. Mas, por detrás
do alter ego aparentemente feio e impassível, havia uma pessoa frágil e muito
influenciável que acreditava na eternidade da arte e em seu poder de
ultrapassar as vicissitudes do tempo no qual foi criada, assim como das
idiossincrasias de seu criador.
Em entrevista, Warhol
declarou: “Se quiser saber tudo sobre Andy Warhol, olhe para a superfície... e
lá estou eu. Não há nada por trás.”.
Pedro Cardoso fez inúmeros
sucessos de público e crítica no besteirol, lotando salas e salas de teatros.
Mário Bartolotto também, até
que ele se desafiou: escreveria uma peça a qual compareceriam apenas alguns
gatos pingados. E que fosse um puta espetáculo.
Tudo isto para eu poder dizer
que, de alguma forma, fui inspirado a nunca mais escrever.
Para gatos.
Pingados.